O velho apeou do cavalo, chegou no balcão com seus trajes simples, pediu uma catuaba e um quarto de pinga, fez cara feia engolindo o liquido que lhe ardia a garganta.
Pegou o embornal e foi à feira comprar algumas coisinhas para levar pra roça.
Com a voz rouca e um português precário,pediu mais um quarto de cachaça. Novamente engoliu e saiu. Pouco tempo depois voltou mais bêbado do que antes.
Ainda tinha muito chão para percorrer em cima do lombo o animal. Bem capaz que só ia chegar em casa tarde noite.
Dentro da camisa de tergal ele usava um colar de lágrimas de Nossa Senhora e um de contas e miçangas nas cores vermelha, branca e preta.
Enfiou a mão dentro da camisa segurou firme nas guias, olhou para o alto, provavelmente para o céu e disse: - Esse aqui não me deixa só, com isso aqui estou protegido.
Mas o velho estava mesmo é com muito medo, já que há pouco tempo um de seus amigos foi morto, tocaiado com três tiros na costas, por causa de dívidas de jogo, de terras e talvez de mulher.
Falou do medo, mas da proteção divina e da fé em Deus. Falou das romarias que meu pai fazia para Bom Jesus da Lapa. Lembrou dos tempos difíceis e da fome que assolava neste Vale tão esquecido.Disse também que há muito não via os filhos,que tiveram de ir para São Paulo, para o Paraná e Mato Grosso em busca de trabalho.- Tá tudo ai espalhado por esse mundo a fora.
Pediu mais um quarto de pinga e eu já nem conseguia saber o que o velho falava, ou contava.
Se tinha algum dente na boca eu não vi, e puxava a fumaça do cigarro de palha que acabara de fazer com o fumo de rolo que guardava no meio das tralhas que carregava.
Bem, com certeza o animal conhecia o caminho de sua casa , pois o sujeito não tinha mais condições de guiar e nem sequer ficar sentado na cela.
Pegou o alforje e saiu cambaleando, até que depois de muitas tentativas subiu no cavalo.
E lá se foi estrada a fora o velho, cheio de sonhos, de dor, de fé, de medo, de tristezas vivendo simplesmente a vida, essa vida tipicamente vivida no Vale do Jequitinhonha.
(Deyse Magalhães-Janeiro/2015)
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